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Você está aqui: Página Inicial / Revista / Versão impressa / Número 3 - Dezembro/Junho de 2009 / UERJ: uma nova perspectiva para o movimento estudantil como reflexo do ascenso da resistência da classe operária

UERJ: uma nova perspectiva para o movimento estudantil como reflexo do ascenso da resistência da classe operária

Resumo Os autores avaliam o movimento de ocupação da Reitoria, traçando um paralelo entre a ascensão do movimento estudantil e a ascensão geral dos distúrbios e movimentos sociais.

Raphael Bevilaqua                   &            Fabiane Simão

Estudante de direito da UERJ                 Estudante de Letras UERJ

Vice-Presidente do CEPPES       Diretora da Executiva do DCE DA  UERJ

 

Os baderneiros”

 

Introdução

 

A bancarrota da ex-URSS e do campo socialista do Leste europeu traduziu-se em um descenso do movimento operário internacional. Filósofos “liberais” chegaram a proclamar o “fim da história”1, baseados na teoria de que o “capitalismo” e a “democracia” constituem o coroamento da história da humanidade e, concluindo que a democracia liberal ocidental firmou-se como a solução final do governo humano, o único projeto de Estado que sobreviveu aos “turbulentos” anos 80.

Esse era o cenário perfeito para o surgimento de “ideologias” que davam suporte às práticas neoliberais e “globalizantes” como a do “Capital Social”2 que com suporte na idéia do “fim da luta de classes” e da “paz social” preconiza que quanto maior a capacidade dos cidadãos confiarem uns nos outros, além de seus familiares, assim como maior e mais rico for o número de possibilidades associativas numa sociedade, maior o volume de capital social, ignorando assim, de plano, a irreconciliável separação das classes dentro do modo de produção capitalista e pugnando pelo “administrativismo” social.

A predominância ideológica de tais teorias foi reflexo da realidade objetiva. Após o fim da Guerra Fria, o número de conflitos internacionais declinou consideravelmente, apenas 23 conflitos armados registrados entre o período de 1992 a 1997 em comparação aos 37 no período de 1987 a 1991, entretanto, atualmente, os conflitos de baixa magnitude e internos vem ascendendo assustadoramente, bem como as vítimas de atentados qualificados como “terroristas”.3

Esta nova tendência de potencialização dos conflitos armados internos e externos, o aumento do número de “missões de paz” da ONU e do orçamento militar norte-americano, além da reativação da IV Frota para a América Latina, demonstram que as contradições internas do capitalismo neoliberal, antes amenizadas e contidas pelos Estados “do Bem-estar Social”, teoria desenvolvida com base em Keynes4 sobre um Estado que deveria intervir na economia, começaram a “transbordar” uma tragédia social.

Tudo isso é reflexo também de uma relação quase que necessária da diminuição da intervenção do Estado na economia, o chamado “Estado Mínimo”, que é o aumento do “Estado Penal”. O Estado “Mínimo” na economia é sinônimo de um Estado “Máximo” na repressão5. A repressão aumenta não só a violência estatal e, dialeticamente, a reação interna, aumenta também a repressão internacional aos países “rebeldes”, “não-alinhados”. A criação de um “eixo do mal” é também reflexo imediato disso.

O fim gradual das barreiras nacionais tarifárias e aumento da repressão internacional aos que resistem e reagem a tal tendência, naturalmente, interessa somente a quem tem capacidade econômica de aproveitar-se da mesma. Marx já preconizava que o aumento da liberdade de circulação de mercadorias corresponderia ao aumento da restrição na circulação das pessoas não como mero exercício de futurologia.

 

Reflexo no espaço acadêmico

 

A Universidade é uma instituição social diferenciada e que se pretenderia autônoma6. Isso se dá pelo seu caráter “intelectual”, o que lhe possibilita relacionar-se com o Estado e com a sociedade em geral, de forma divergente.

Isso significa que no interior da universidade existem opiniões, comportamentos, ideologias e projetos conflitantes, que expressam divisões e contradições da sociedade. Reconhecer a universidade como uma instituição social é perceber que a mesma reflete de maneira mais ou menos determinada o funcionamento e a estrutura da sociedade como um todo.

Não é de se estranhar, portanto, que o novo vigor dos movimentos sociais, como pode se observar nas manifestações recentes na Grécia, pela morte de um adolescente culminando em greve geral, tenha seu reflexo também nesse espaço. As ocupações de Reitoria começam a retomar um papel central na luta do movimento estudantil nacional e internacionalmente: no Brasil, ocupação das Reitorias da USP (Universidade de São Paulo), UnB (Universidade de Brasília), UFBA (Universidade Federal da Bahia), UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia), UENF (Universidade Estadual do Norte Fluminense), etc e movimentos no mesmo sentido na França, Itália e até mesmo nos Estados Unidos, com a ocupação da Universidade New School de Nova Iorque.

A espontaneidade e o “crescendo” da “radicalização” desses mesmos movimentos são observados como um “fenômeno” aparentemente inexplicável para os teóricos da “paz social”, do “fim da história” e do “fim da luta de classes”. O “furo” é evidente, assim como a tentativa de esconder a luta de classes por trás do manto da legalidade, criminalizando tais movimentos. Não é a toa que alguns estudantes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro estão respondendo a inquérito policial. Aos administrativistas do “capital social” é pavorosa e extremamente nociva a atividade dos “baderneiros”.

 

A ocupação da Reitoria da UERJ:

 

Na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), as afirmativas acima podem ser comprovadas, por exemplo, com o sistema de cotas. Dentro e fora do ambiente universitário, tal medida gerou controvérsias, refletindo, em determinado grau, a luta de classes, a divisão e exclusão sociais.

Partindo das discussões propostas acima, este trecho do artigo buscará refletir acerca da relação estabelecida entre as formas de atuação políticas dentro do espaço universitário e sua relação com a sociedade, estabelecendo nexos entre as recentes atuações do movimento estudantil e a política adotada pela reitoria.

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Protesto de estudantes na Califórnia, 1960

O atual movimento estudantil da UERJ tem por objetivo maior democratizar o espaço acadêmico e a educação superior, produzir inclusão social. Entretanto, tem a noção que, apenas promover a inclusão não basta, tem que prover os meios para manter os estudantes dentro da universidade até a conclusão dos cursos de graduação.

A reitoria, por outro lado, defende, em tese, apenas a excelência do ensino, distanciando cada vez mais o espaço que deveria ser social, da população, e igualando cada vez mais a sua política interna à política excludente e externa do Estado. Este é mais um reflexo da política administrativista encobridora da realidade.

O distanciamento da Reitora da comunidade universitária e de suas entidades representativas (movimento estudantil e dos sindicatos de docentes e técnicos administrativos) gerou um vácuo, de forma que o reitor parecia não saber, ou não querer saber, o que exatamente aflige a comunidade, e a mesma não conseguia ter um diálogo com a representatividade máxima da Universidade.

Como entendemos ser a realidade um complexo de múltiplas determinações, esse vácuo e o distanciamento, em 2008, culminaram em uma série de reações em cadeia. Os docentes decretaram greve, os técnicos decretaram greve e os estudantes, em assembléia, decidiram não só o apoiar a luta dos trabalhadores como ocupar a reitoria.

A ocupação foi utilizada como um instrumento para tornar visíveis para toda a sociedade as mazelas da UERJ. Mostrar o que os sucessivos governos vêm fazendo à educação estadual e pública, que deveria ser de qualidade. As principais reivindicações estudantis eram (e continuam sendo): a construção dos bandejões em todos os campi, ônibus intercampi, repasse dos 6% do orçamento do Estado para a UERJ, desvinculação das bolsas de permanência e das bolsas de iniciação científica, o que permitiria que o aluno cotista recebesse seu auxílio permanência e produzisse conhecimento, equiparação do valor das bolsas ao salário mínimo (hoje a bolsa é de R$ 250,00), creche e alojamento estudantil.

Durante vinte dias, mais de trezentos estudantes se reuniam diariamente em assembléias para deliberarem democraticamente (esta sim a democracia popular) suas ações, promoveram eventos culturais, puderam conviver com o luxo das instalações da reitoria e ver o quão diferentes são os espaços do poder e do povo.

 

A maior vitória da ocupação foi o novo fôlego que deu ao movimento estudantil, pois, mesmo os que não concordavam, participavam do debate, e atualmente estão construindo, estão nos grupos que acompanharão o cumprimento de cada cláusula do acordo firmado antes da desocupação.

 

Conclusão

 

Além, é claro, de vitórias localizadas em cada um desses movimentos, o simples “despertar” dos estudantes da profunda letargia em que se encontravam já representa um avanço sintomático na luta de classes. As condições objetivas parecem, mais uma vez, estar ao lado da classe trabalhadora, que se torna cada vez mais combativa e organizada.

Cai por terra a análise conciliadora de classes por simplesmente ser inconciliável a espoliação com o desenvolvimento. A catástrofe humanitária da sociedade capitalista não é um “acaso do destino”, mas conseqüência estrutural e a reação a esta, questão de sobrevivência.

A luta de classes não é, nem nunca foi, pressuposto de análise, um “axioma” a qual se atribui o valor “falso ou verdadeiro” de acordo com a vontade do intérprete, nem muito menos uma categoria metafísica retirada de uma análise superficial, esta categoria é consequência de uma análise da realidade a partir do método materialista histórico dialético. Quem fossiliza a análise e diz ser “falsa” a classificação ou que “não há luta de classes”, mesmo admitindo a existência das mesmas, não compreende, nem nunca compreendeu, a origem dessa. Para esses, que talvez tenham preguiça de estudar, ou medo das conclusões e do peso na consciência, a realidade é o mais violento “tapa com luvas de pelica” que Marx poderia proporcionar.

 

1 Francis FUKUYAMA., O fim da história e o último homem. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.

2 Robert PUTNAM, Democracies in Flux: The Evolution of Social Capital in Contemporary Society, Oxford University Press, 2002.

3 Fonte: http://www.systemicpeace.org/. 20 de dezembro de 2008.

4 John Maynard KEYNES, The end of laissez-faire. Amherst, Nova Iorque: Prometheus Books, 2004.

5 Nilo BATISTA, Mídia e Sistema Penal no Capitalismo Tardio, “Noticiário”. http://www.bocc.ubi.pt/pag/batista-nilo-midia-sistema-penal.html. 20 de dezembro de 2008.

 

6 Para entender a luta por autonomia universitária ver Simon Schwartzman, A Autonomia Universitária e a Constituição de 1988, http://www.schwartzman.org.br/simon/cont88.htm em 04 de dezembro de 2008. Entretanto compreendemos ser impossível uma “autonomia” na acepção social da palavra, ou seja, não existiria um ambiente universitário descolado e, ao mesmo tempo, não influenciado pela correlação de forças entre classes sociais. Neste mesmo sentido compreende autoridade acadêmica no âmbito do direito penal que pode ser, por analogia, estendida a outras áreas do conhecimento humano: “As agências de reprodução ideológica (especialmente as universitárias) não ficam alheias à competição interna (...) seus integrantes que contrariem o discurso dominante diminuem seus pontos na briga por assessorarem os operadores políticos ou para galgarem postos nas agências judiciais, e também correm o risco de se verem suplantados por seus opositores nos concursos acadêmicos ou de perderem financiamento para suas pesquisas etc. Como resultado disso, tais agências selecionam seus próprios operadores preferentemente entre os que compartilham o discurso, racionalizando-o ou matizando-o, mas procuram evitar aqueles que o refutam. (E. Raúl ZAFFARONI, Nilo BATISTA, Alejandro ALAGIA, Alejandro SLOKAR. Direito Penal Brasileiro: 1º vol – Teoria Geral do Direito Penal. Rio de Janeiro: Revan, 2003, 2ª Ed, p. 62.)